Inovação: Como a Pixar mudou a animação

Julho 27, 2010 by  
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Na notoriamente precária indústria dos filmes, em que nada é certo e ninguém sabe de nada, há uma palavra que funciona simultaneamente como talismã, bálsamo e selo de qualidade. Essa palavra é Pixar, e você não precisa ser acionista da Disney, que comprou o estúdio de animação computadorizada em 2006, para se sentir calmo quando a ouve.

Com o lançamento de Toy Story 3, aparentemente o episódio final da revolucionária série que iniciou o reinado da Pixar em 1995, a questão de como um estúdio manteve um controle de qualidade tão incomparavelmente alto permanece intrigante. Entre os contemporâneos da Pixar, apenas o Studio Ghibli, do Japão (muito admirado pelo pessoal da Pixar, que inclusive homenageia Meu Vizinho Totoro, clássico da Ghibli, em Toy Story 3) foi mais consistentemente inovador em animação, e mesmo ele afundou, de certa forma, com seus últimos dois filmes.

Desde o primeiro quadro do Toy Story original, há 15 anos, o casamento de animação computadorizada estranhamente realista e apresentação de histórias emocionalmente plausíveis, ao estilo antigo, foi abundante. Adicione a isso a esperteza brilhante do estúdio, manifesta em piadas ou em alusões por vezes acessíveis apenas a espectadores mais velhos, assim como em uma riqueza de detalhes incidentais que, positivamente, pedem estudo repetido, e não é surpresa alguma que os filmes da Pixar podem ser vistos dezenas, ou mesmo centenas de vezes por pessoas de qualquer idade. Acredite em mim: as cópias de títulos de concorrentes como a DreamWorks Animation (de Shrek e Madagascar) ou o Blue Sky Studios (da trilogia A Era do Gelo) misteriosamente sumiram para o fim da coleção de DVDs, enquanto Os Incríveis, Ratatouille e Up permanecem em constante rotação.

Toy Story 3 é o 11º lançamento do estúdio, que começou a vida em 1984 como a divisão de computação gráfica da Lucasfilm, de George Lucas, antes que Steve Jobs a comprasse por US$ 10 milhões, dois anos depois. Estreou em junho, mas o patrulheiro espacial Buzz Lightyear e seu sortimento de amigos brinquedos já destruíram os recordes de bilheteria daquela maneira aparentemente sem esforços da Pixar. A arrecadação inicial do filme, de US$ 109 milhões, foi o melhor final de semana de abertura para a companhia; depois de duas semanas, seus lucros na América do Norte aproximam-se dos US$ 236 milhões, e de US$ 340 milhões ao redor do mundo, com o filme ainda por estrear na maioria da Europa. O lançamento de Toy Story 3 no Reino Unido, no fim deste mês, fará as redes de cinema se prostrarem em gratidão.

Isto antes de levar em conta as oportunidades colossais em merchandising: o brinquedo Buzz Lightyear deverá ser o mais pedido pelas crianças neste Natal – se as lojas não repetirem o erro de não estocar o suficiente deles como fizeram no lançamento do primeiro filme, o que foi atrevidamente aludido em Toy Story 2, quando Barbie menciona os “varejistas míopes que não estocam brinquedos o suficiente para dar conta da demanda”.

Para a Pixar, o sucesso financeiro deve ser quase uma rotina; como não poderia ser, se os lucros mundiais de seus lançamentos, incluindo Toy Story 3, somam mais de US$ 5,5 bilhões? Ainda assim, o que realmente a distingue de outros estúdios é a robustez e a longevidade de sua obra. Quebrar recordes de bilheteria não é, por fim, nada importante; a Pixar pensa no longo prazo.

Não que isto deveria ser confundido com apostar na segurança. Ao contrário, a Pixar parece ter orgulho em tornar conceitos frágeis em ouro cinematográfico. Enquanto Toy Story 3 é, para os próprios padrões do estúdio, uma aposta segura na bilheteria, à medida em que se tornava comercialmente segura, a Pixar usou sua bancabilidade como trampolim para inovação e experimentação. Além de Toy Story 3 e o vindouro Carros 2 (sequência do único filme em seu currículo que mergulhou notavelmente abaixo do padrão normalmente estratosférico), nada mais em sua produção recente adere-se à sabedoria recebida sobre o que faz um sucesso.

Tome por exemplo a suntuosa comédia Ratatouille, de 2007, em que um chef roedor prepara pratos da nouvelle cuisine em um restaurante parisiense. O tema do filme era a origem da grande arte – dificilmente uma isca para a bilheteria – enquanto o título era tão temido que a pronúncia fonética foi adicionada ao pôster. Ou Wall-E, um ataque ao consumismo, um trabalho memorável não apenas por seus primeiros 40 minutos dolorosamente sombrios e sem diálogos, mas que contava, como observou o crítico Jonathan Romney, com uma caixa de metal como herói e um volante como vilão.

A aparente habilidade da Pixar em agradar todos todo o tempo continua a levantar os cabelos dos críticos. Um artigo recente na revista Ms pescava controvérsias ao agarrar-se à média de sete personagens masculinos para cada um feminino em Toy Story 3 – ignorando a importância que tem uma garota na conclusão, ou a ousadia inesperada mostrada pela boneca Barbie do filme, que protagoniza a cena mais divertida do filme ao torturar um narcisista boneco Ken rasgando alegremente suas roupas escandalosamente retrô.

A Pixar construiu seu vasto império de seguidores pela simples mas surpreendentemente rara tática de perseguir excelência. O estúdio passa muitos meses mapeando a estrutura de suas histórias antes que a caracterização ou o diálogo façam uma aparição. Sem fazer distinção entre as demandas da animação e o trabalho de atores reais, retira seu talento de todo o cinema. Joss Whedon, criador de Buffy, a Caça-Vampiros, trabalhou no roteiro para a Toy Story original. Tom McCarthy, roteirista-diretor de O Agente da Estação e mais conhecido por interpretar um repórter corrupto em The Wire, trabalhou no roteiro de Up. Michael Arndt, roteirista oscarizado por Pequena Miss Sunshine, coescreveu Toy Story 3.

Brad Bird resume o talento especial do estúdio para atrair e depois proteger talento; ele gravitou ao redor da Pixar, onde dirigiu Os Incríveis e Ratatouille, seguindo uma experiência infeliz fazendo O Gigante de Ferro para a Warner Bros. De acordo com Bird, que foi recentemente anunciado como diretor de Missão Impossível 4:

– O erro que todos cometem é pensar que a animação é um meio infantil. Não é. É um meio, um método para contar-se histórias. Não fazemos estes filmes para crianças, fazemos-os para nós, e esperamos que crianças, adolescentes, outros adultos, todos tenham gostos similares aos nossos. Não há estratégia nisso.

Contundentemente, na Pixar também não há lugar para o excesso de referências modernas, a exposição de celebridades e marcas que dominaram os filmes animados da concorrência. O primeiro criminoso neste aspecto foi o estúdio DreamWorks, cuja produção boba por vezes parece sem alma quando comparada. Onde a Pixar usa comicidade pop como a cereja do bolinho, para a DreamWorks ela é o bolo: remova as piadas internas em Espanta Tubarões ou Bee Movie e não resta muita coisa, menos ainda do senso de encantamento que é a seiva vital de histórias fantasiosas. Referências específicas datam instantaneamente em carbono esses filmes, fazendo-os impossíveis de entender a futuros espectadores.

–Referências à cultura pop são fáceis e dão à audiência uma emoção barata. Mas que não dura. Pegue a versão da Disney de Aladim, de 1992, da qual eu gosto: quando ela saiu, e eu vi o gênio imitando Arsenio Hall (apresentador de TV americano), eu pensei: “Isso não vai querer dizer nada daqui a 10 anos”. Tentamos evitar isso – disse-me Bird.

De repente, a paisagem da animação tornou-se uma mistura gloriosa de novas e antigas técnicas, com desenhos a mão livre lutando por espaço nas telas com stop-motion falsamente ingênuos e brilhantes animações computadorizadas.

Como os enfeites pós-modernos que eram privilegiados pela DreamWorks começaram a falhar, a animação retornou ao rigor narrativo e à sustentação emocional que fez clássicos como Branca de Neve e os Sete Anões e Bambi impermeáveis aos danos do tempo. Para todos os atraentes avanços tecnológicos, o melhor trabalho remonta ao modelo de contação de histórias estabelecido antes que a Pixar fosse apenas o brilho nos olhos de um nerd.

Fonte: Zero Hora



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