Inovação: António Câmara. “Os portugueses são demasiado sofisticados”

Outubro 19, 2010 by  
Filed under Notícias

O líder da YDreams é um autêntico caçador de talentos e diz que os engenheiros portugueses são melhores a matemática que os americanos.

Desde que recebeu o Prémio Pessoa, em 2007, o nome de António Câmara nunca mais saiu da ribalta mediática. O mentor e CEO da YDreams, empresa que se tornou conhecida pelo jogo para telemóvel “Cristiano Ronaldo: Underworld Football”, tem uma visão muito peculiar sobre o talento dos portugueses e a sua projecção global. Com presença no Brasil, Espanha e Estados Unidos, a YDreams está a levar mais tempo para dar o salto do que António Câmara previa no início, mas o objectivo continua a ser o mesmo: torná-la uma referência mundial na realidade aumentada e nas superfícies interactivas. Tudo com sede em Portugal e recurso a cérebros portugueses, porque o também professor universitário acredita no talento nacional.

Como é que a YDreams descobre talentos?

A YDreams nasce de um grupo universitário, que nos anos noventa era líder mundial na área que investigava a informação geográfica. Essas trinta pessoas estagiaram nos melhores sítios do mundo, desde a NASA ao MIT e à Netscape. Portanto começámos com uma base muito sólida. Desde aí temos recrutado talento de três formas. Uma é através de scouting, temos uma base de dados de todas as pessoas talentosas nas áreas em que trabalhamos, e um dos meus trabalhos é recrutá-las. Por exemplo, fomos buscar o António Almada, que trabalhava na Paraform quando a equipa ganhou um Óscar para efeitos especiais em Hollywood. Mais recentemente fomos buscar a Inês Henriques aos Estados Unidos, que lidera a spin-off Interactive Surfaces. É uma componente de scouting quase como nas equipas desportivas.

Quem é que faz esse scouting?

Eu. Ando por todo lado. Depois há um grupo de talentos que chegam a nós, e talvez o mais significativo na empresa neste momento é o Luís Carvalho, que vai ser líder de uma das unidades da empresa, a YDreams Design.

Como surgiu esse recrutamento?

Fui dar um seminário à McCann-Erikson e dois dias depois recebo uma mão de borracha e uma carta a dizer “aqui vai uma mão e a minha vontade, estou disponível”. Uma semana depois estava contratado. Além disso, há os processos normais de recrutamento.

E como se mantêm esses talentos na empresa?

O elemento fundamental da YDreams é o sonho. Transformámo-nos numa empresa global, temos muitos projectos únicos que são factor de atracção, sobretudo para as pessoas mais criativas. Para muitas outras, a atracção é estarmos a desenvolver tecnologias, que vamos lançar no mercado agora, que são disruptivas, que esperamos que façam história. Há esta motivação de fazer parte da história.

É mais difícil encontrar talentos em Portugal que lá fora?

O talento tecnológico, de design e científico existe em Portugal e é de classe mundial. Não temos problema nenhum em encontrar talentos fantásticos nessas áreas. Onde temos uma enorme dificuldade é encontrar pessoas com experiência global em marketing e vendas.

A YDreams está muito forte no Brasil. Como fazem o recrutamento lá?

Temos pessoas incrivelmente experimentadas, lideradas pela Karina Israel, pessoas que ganharam Leões em Cannes…

Não é mais difícil reter esses talentos num mercado tão aberto?

Temos conseguido fazê-lo. A equipa está a desenvolver-se com as mesmas pessoas há três anos. Algo importante não é só a ambição da empresa, mas o estilo de vida. Acho que o facto de o estilo ser liberal é um bem, não haver horários. As pessoas trabalham imenso mas a flexibilidade é um factor decisivo.

A cultura corporativa vem de cima?

A cultura no Brasil é parecida com a que temos aqui. No Rio de Janeiro estamos em frente à praia. É fantástico.

Lyn Heward, ex-directora de conteúdos criativos do Cirque du Soleil, diz que cabe ao líder da empresa criar um ambiente criativo. Como é que vocês fazem?

Tivemos uma campanha dirigida pelo Luís Carvalho para criar esse ambiente. Tinha que ver com arquitectura, as pessoas poderem fazer o que lhes apetece no sítio onde trabalham, e ainda seminários estimulantes todas as quintas-feiras. Mas há algo de verdadeiramente importante: as pessoas devem ir aos eventos que na sua área sejam os melhores do mundo. Aquilo a que se pode chamar “turismo científico e tecnológico”.

Vocês incentivam essas deslocações?

Hoje em dia, felizmente, convidam-nos para falar e sai tudo mais barato. Mas isso é importantíssimo. Participamos em eventos fantásticos, é um atractivo enorme para as pessoas porque se mantêm no topo.

Consegue ver a diferença entre os processos de inovação e o estímulo da criatividade?

São muito diferentes. Uma coisa é a invenção e a criatividade, e nisso somos muito fortes. Mas a inovação não é isso: é a venda da criatividade e da invenção. Acho que fazemos bem essa venda em termos de projectos e estamos a aprender a fazê–la em termos de produtos. Acho que o problema português no geral é a venda de produtos em massa. Nós portugueses somos demasiado sofisticados. Não fazemos produtos banais de massas.

Como estimula a paixão dos colaboradores pelo que fazem?

É uma tarefa dificílima, porque há sempre revezes. Acho que o elemento essencial é a recuperação das derrotas. Temos de celebrar as vitórias, mas o ponto essencial é recuperar as pessoas dos falhanços. Consegue-se minimizando as derrotas, tendo em conta uma perspectiva mais global. Faz parte do processo; pensar que temos esta meta e vamos ter sucesso global. A dificuldade é o tempo. Toda a gente espera que uma empresa faça uma explosão num instante. Há empresas que crescem muito rapidamente quando têm bom marketing e vendas. A Compaq era um exemplo clássico, mas a maior parte não é construída com uma base para o futuro.

É esse o sonho da YDreams?

As empresas têm de ter três fases: uma fase de execução onde de facto se ganha dinheiro; uma fase de paciência, para desenvolver os produtos; e depois uma visão para criar as tecnologias disruptivas. Se olharmos para as grandes empresas, a Google foi um fenómeno acelerado, mas mesmo assim demorou anos. Lembro-me de os ter visitado em 2000 e os tipos estavam aflitos, era uma incógnita completa. Temos de ter visão, paciência e tempo. A nossa cultura básica é fazer projectos, por isso temos de criar novas empresas com uma nova cultura.

Como fazem a recuperação dos erros?

No final do dia estamos sempre a falar de relações humanas, de contacto de um para um ou de reuniões gerais. A parte comunicacional é importante e é uma das coisas que estamos a rever agora.

Exerce uma liderança de portas abertas?

Eu nem gabinete tenho, tenho uma mesa. Recorda-se do livro sobre a aranha e a estrela-do-mar? Sabemos que há áreas, e sobretudo estas novas empresas, que têm de ter uma estrutura tipo aranha, porque são muito mais focadas em vendas. A empresa-mãe tem de ser mais estrela-do-mar.

Mas todas as decisões da YDreams passam por si? É um líder à Steve Jobs?

Não, não. Temos um sistema de gestão por equipa, há decisões que não passam por mim. É uma forte liderança mas não uma liderança forte.

Como uma Google portuguesa?

Não posso dizer isso nesse sentido. É uma empresa atractiva para trabalhar. Também temos stock options, conhecemos bem o modelo. A diferença em termos de talento tecnológico das pessoas que temos aqui para as da Google é que é mínima. Aliás alguns deles aqui são melhores. A questão abissal é na gestão.

Costuma dizer-se o contrário…

Não sabem do que estão a falar.

O problema não é a matemática?

Santo Deus, não. A maior parte das pessoas aqui é dez vezes melhor a matemática que qualquer americano que trabalhe na Google. Não há comparação. As pessoas cá não têm padrões, é inacreditável. Os exames de matemática em Portugal são mais difíceis que no MIT. Há o talento em Portugal para fazer isso, a questão é transformar isto num negócio gigantesco.

Fonte: Jornal i


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