Inovação: Macau pode ser uma cidade de inovação

Março 28, 2011 by  
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Entrevista | Gary Ngai, presidente da MAPEAL

Gary Ngai quer um centro de pesquisa sobre tecnologia ambiental no território. O presidente da MAPEAL garante que a RAEM pode transformar-se num pólo de “cérebros” internacionais pela defesa do meio ambiente.

Com quase 80 anos, Gary Ngai confessa que não desiste de “sonhar com um mundo melhor”. Foi por isso que há seis anos o antigo professor de História, que entre outras coisas também já foi conselheiro de vários governadores de Macau, criou a Associação de Macau para a Promoção de Intercâmbio entre Ásia-Pacífico e América Latina (MAPEAL).
Presença habitual na Feira Internacional de Cooperação Ambiental (MIECF), a organização não governamental vai promover mais um encontro de especialistas à margem do evento que arranca no final do mês.
Este ano a MAPEL traz ao território peritos das principais economias do mundo para debater as alterações climáticas e as perspectivas de desenvolvimento para as energias renováveis. Em entrevista ao Hoje Macau, o presidente da associação explicou porque é importante promover o território enquanto plataforma para a transferência de tecnologia e experiências mais verdes entre os maiores países em desenvolvimento, o chamado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China).

A MAPEAL tem sido presença constante em todas as edições da MIECF. Porquê abordar o tema das alterações climáticas?
É a continuação do nosso projecto relacionado com a protecção ambiental que tem sido desenvolvido com a MIECF desde 2008. Começámos por ter apenas a participação do Brasil, depois tivemos China, Índia, Malásia, Portugal, muitos países. No ano passado eram cerca de dez os países interessados em “usar” Macau como plataforma de troca de experiências sobre as tecnologias verdes. Este ano quisemos melhorar e ter oradores do BRIC e dos Estados Unidos. Aliás, das Nações Unidas, porque Robert Dixon é membro do painel da ONU sobre alterações climáticas, além de antigo conselheiro da Casa Branca para a segurança energética e Nobel da Paz, em 2007. Ele vai falar sobre as conclusões da última Cimeira sobre as mudanças climáticas no México, e também de Copenhaga, em 2009. Porque é uma pena que nenhuma tenha resultado num acordo. Pelo menos não um como o [Protocolo] de Quioto, há mais de dez anos. Um acordo que unificou os países. Mas agora as pessoas parecem não estar dispostas a fazer isso.

Por que é que diz isso?
Por causa da economia e da poluição, é muito difícil de controlar. É uma contradição muito grande. Se se quer que a economia evolua é preciso sacrificar o ambiente. Como a Europa e os Estados Unidos começaram a fazer há dois séculos, com a industrialização, e agora a China, a Índia e o Brasil também fazem. O clima está a sofrer e temos de encontrar uma solução para reduzir todas estas emissões de carbono para a atmosfera, que vão destruir o nosso planeta.

Ainda estamos muito longe de encontrar essa solução?
Toda a gente se questiona sobre isso, sobre qual é a melhor forma de controlar o dilema, mas ninguém consegue dar uma boa resposta. Ainda está a ser discutido. Mas eu acho que, tecnologicamente falando, ainda não temos uma boa resposta para isso. Está-se a tentar com a energia nuclear, mas agora vimos qual foi o resultado disso no Japão, que está longe de ser resolvido, longe disso. Há as novas energias limpas, como o biocombustível. O Brasil já é “número um” mundial com a utilização do etanol (álcool puro) como combustível para os automóveis. Todos os motores conseguem funcionar 100% a etanol ou, mais recentemente, misturando com outros combustíveis não fósseis. Mas eles já estão muito avançados, produzem o biocombustível a partir da cana-de-açúcar. E as pessoas podem perguntar-nos: “Ah mas vocês têm um grande país, podem plantar muita cana-de-açúcar aí também”. Mas na China e na Índia não temos assim tanta terra, usamo-la para plantar outras coisas, para alimentar as pessoas. Não podemos sacrificar a nossa terra para plantar cana-de-açúcar. Também temos o vento para produzir energia eólica, a energia solar, mas a tecnologia ainda não está no ponto certo aqui, está atrasada. De toda a energia utilizada, só 5 ou 10% é que não é fóssil. É muito pouco ainda. Eu também quero ver a economia a crescer rapidamente mas, e o ambiente? O dilema é cada vez maior, ninguém chega a um acordo em relação a isto. Por isso é que pedi ao professor Robert Dixon para vir cá explicar.

Já teve acesso à apresentação do professor?
Sim, é muito boa. Ele tenta explicar de uma forma muito objectiva o problema. Ele acredita que lá para o ano 2050 pode ser possível resolvê-lo, mas temos de esperar até lá.

Que tipo de soluções é que o professor Dixon sugere?
A principal passa por tentar unir os países para encontrar uma solução para atenuar as emissões de carbono para a atmosfera através de uma série de procedimentos, como meter o carbono numa espécie de invólucro fechado de forma a ser reciclado e reutilizado. Mas é preciso a tecnologia para isso… Caso se queime petróleo é emitida uma quantidade tão grande de dióxido de carbono, como é que podemos reciclá-lo todo? É uma grande questão que ainda ninguém conseguiu solucionar. Mas estão a tentar arduamente. Inclusive a China que está a tentar reduzir as emissões através do uso de novas tecnologias, está no plano quinquenal anunciado recentemente no Congresso Nacional Popular, em Pequim. O Brasil está a fazer o mesmo, a Índia e a Rússia também. Precisamos de cooperação mais próxima com os países em desenvolvimento, especialmente o BRIC, e partilhar ao máximo as inovações tecnológicas. É uma questão que engloba toda a raça humana, não é apenas um país que está em questão, é o mundo inteiro.

“As pessoas ficam muito preguiçosas quando têm muito dinheiro. É o problema de Macau. Debatem-se muitas coisas na Assembleia mas não se vêem resultados”

E o uso da energia nuclear, agora com a situação no Japão, acha que é cada vez mais questionável?
Sim, porque o risco ao nível da segurança é muito grande. As pessoas estão cada vez mais a pensar usar a energia nuclear para produzir energia limpa, mas não podemos esquecer que tragédias como esta que está a acontecer no Japão acontecem, até naquele que é um dos países mais avançados do mundo. Há seres humanos que ainda estão a sofrer as consequências de Chernobyl há 30 anos. Foi terrível, milhares e milhares de pessoas foram sacrificadas. Há algum caminho a tomar de forma a evitar tudo isto? A resposta é não, ainda não.

Qual é o papel que Macau pode representar nesta matéria?
Temos de usar Macau como base para discutir estas coisas com mais frequência. Não pode ser só falar, falar e falar. Falar é importante mas mais importante ainda é agir. Onde é que podemos encontrar a tecnologia certa para superar este tipo de desastres no futuro? Para aumentar a segurança e seguir o caminho em direcção às energias mais limpas? É para responder a estas questões que Macau pode ser útil. Vamos propor ao Governo, não só ao de Macau mas também a Pequim, que seja criado um centro de pesquisa sobre tecnologia ambiental no território. Um centro que funcione em comunhão com os países que nos são mais próximos, sobretudo o BRIC, mas não só. Convidar os profissionais mais inovadores neste tipo de tecnologia e pagar-lhes para trabalharem aqui em Macau, aproveitando a extensão da Universidade para a Ilha da Montanha. Há muito espaço lá e já há um plano para construir um novo laboratório. Porque não? Nós precisamos, a China precisa, há vontade de todos os lados para fazer isto. Agora está nas mãos do Governo investir mais.

E os profissionais locais?
No território não há ninguém para fazer isso. Macau é pequeno, temos recursos humanos reduzidos, mas podemos trazer gente e contribuir para estes assuntos globais. Mas por agora a porta ainda está fechada, ainda é muito difícil para as pessoas entrarem em Macau para trabalhar. É muito pior do que em Hong Kong, lá abrem a porta e dizem “Venham” aos melhores do mundo. Porque é que Macau não faz isso? Empregar pessoa da China, da Europa e dos países latinos e deixá-los contribuir para a nossa cultura, economia etc. É preciso que venham de fora até para ensinarem os que estão cá. Com um centro de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias ambientais instalado em Macau, as pessoas iriam perceber que o território não se resume a uma cidade de casinos. Também pode ser uma cidade de inovação, de renovação. Podemos estar a salvo de desastres como o do Japão daqui a duas ou três gerações. Podemos ter um mundo melhor.

Acha mesmo que isso é possível?
Acho. Só não é possível fazer isso a curto prazo mas é possível. Temos de usar os nosso recursos para o bem do mundo e Macau deve servir esta iniciativa para mostrar que apesar de pequeno, o território tem recursos financeiros para fazê-lo.

O Governo não tem apostado na protecção do ambiente?
Acho que o Governo tem uma agenda própria dedicada ao ambiente mas ainda é muito fraca, está longe do ideal. São precisas políticas claras para incentivar e estimular a utilização das novas tecnologias “verdes”. É preciso estimular a poupança de energia, o uso de energias renováveis em vez de combustíveis fósseis. Tentar implementar veículos eléctricos por exemplo, substituir os combustíveis por baterias, que é muito fácil. Claro que é caro mas o Governo pode subsidiar durante algum tempo, o tempo suficiente para que o preço das baterias baixe. O problema do tráfego é gravíssimo em Macau, há demasiados carros, é preciso políticas para melhorar isso. Olhe-se para Singapura, eles têm as regras e veja a diferença. Para não falar na redução da quantidade imensa de energia que é usada pelos casinos… Debatem-se muitas coisas na Assembleia mas não se vêem resultados. A decisão tem de vir do Governo e tem de ser forte. Têm de dizer “Sim, queremos isto!” e legislar, implementar medidas. Se queremos diversificar a nossa economia, o único caminho é desenvolver coisas novas. O Governo não sabe como gastar o dinheiro, não percebe que é possível gastar o dinheiro de uma forma que beneficie não só a RAEM como o mundo inteiro. Podemos fazer algo pela humanidade, isto é mais importante. Temos de ter uma visão global, perceber o que é que se está a fazer lá fora e quais são os maiores problemas do mundo. O ambiente é um deles.

A melhoria da situação ambiental do território tem necessariamente de passar pela população também. Mas estudos apontam para o desinteresse da comunidade. Concorda?
Claro. Se compararmos com o Japão há um fosso gigante. Eles estão muito à frente de qualquer país do mundo nesse sentido, estão no topo. Mesmo assim sofrem um desastre destes… Mas é por isso que eles podem resistir, porque as pessoas estão bem formadas e educadas. Em Macau é uma tragédia. É urgente educar as pessoas, implementar a educação cívica nas escolas, a começar pelo jardim de infância. Ensinar as crianças a preservar o ambiente, entre outras coisas.

Depois de anos a lutar por estas causas, nomeadamente junto ao Governo, não fica frustrado perante essa inércia das pessoas de que fala?
Sim… As escolas, os professores e as associações deviam trabalhar conjuntamente para fazer isto. Mais uma vez, no Japão já o fazem há décadas. Eles sofreram um enorme terramoto há anos que quase destruiu completamente Tóquio e erguerem-se de novo. Cá não há vontade suficiente para mudar. Como o antigo Chefe do Executivo Edmund Ho disse um dia, “em Macau nós somos crianças pequenas a tratar de coisas de adultos”. Não podemos continuar a ser “crianças pequenas” dez anos depois. Nós crescemos e as pessoas deviam ser mais activas e fazer coisas. As pessoas ficam muito preguiçosas quando têm muito dinheiro. É o problema de Macau.



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