Marketing: O império Inditex: Como a Zara pensa, cose, vende, veste

Agosto 30, 2012 by  
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Sandálias e roupa interior Oysho.T-shirt Zara. Colar Zara. Carteira Uterque. A enumeração podia ser um exercício para me lembrar do que levava vestido no dia em que visitei a sede da Inditex em Arteixo, na Corunha. Mas não. É uma conclusão de que 80% da roupa que eu vestia é de marcas de Amancio Ortega, fundador do maior grupo têxtil do mundo.

Não é difícil: a Inditex foi criada em 1975, ano da abertura da primeira loja Zara, mas o portfólio do grupo inclui ainda as marcas Pull & Bear, Massimo Dutti, Uterque, Oysho, Zara Home, Bershka e Stradivarius. Não surpreende a predominância de roupas do grupo no armário de uma portuguesa: das quase 6 mil lojas em todo o mundo, a Inditex tem 344 em Portugal, o que torna o país o segundo maior mercado em número de pontos de venda, logo a seguir a Espanha. “Cada uma das empresas é pequena quando considerada isoladamente dentro da Inditex – a Zara representa mais de 60% da faturação do grupo -, mas, se vemos uma a uma, encontramos uma grande empresa no sector de distribuição de moda e uma marca que está em mais de 50 países e tem números de lojas também muito importantes”, explica Raúl Estradera, do departamento de comunicação externa da Inditex e guia na visita ao quartel-general da empresa.

As oito marcas do universo Inditex são reflexo do multiformato, uma das apostas do grupo: se há dez anos, quando o grupo pensava entrar na bolsa espanhola, a questão gerava muitas dúvidas – os analistas questionavam a necessidade de a Inditex apostar energia e recursos noutros formatos, quando tinha na Zara um modelo bem-sucedido, que ia colocar à prova criando marcas que seriam suas concorrentes -, a equipa de Amancio Ortega sempre soube que a diversidade de formatos aumentaria as possibilidades de crescimento. Várias marcas permitem uma maior aproximação a segmentos de mercado de forma muito mais efetiva e aumentam o alcance na abertura de lojas em novos mercados: num centro comercial, a Inditex abre, de uma vez só, seis ou sete lojas diferentes, aumentando a capacidade de negociação de preços.

No coração da Zara nada é deixado ao acaso. O carro fica estacionado antes da portaria e a identificação é feita num gabinete envidraçado. Na lista do segurança, o meu nome, o do jornal e a hora do encontro. Um cartão de plástico abre a cancela. O caminho está assinalado até ao parque subterrâneo com espaço para mais de dois mil carros, onde os funcionários também estacionam. Os lugares para visitas são os mais próximos da porta do elevador que leva à receção: estão pintados de amarelo para não haver enganos. No elevador não há espelho, mas há um ecrã, a única referência às marcas do grupo além das letras Inditex antes da portaria, um relógio e música comercial. Na receção três telefonistas. A fachada é espelhada de azul. Lá dentro, branco e cinzento claro, linhas simples, portas fechadas, gabinetes envidraçados. Um corrupio organizado de gente que parece vestida de Zara dos pés à cabeça. Identificam-se as linhas simples das calças vincadas, as tachas das botas que já estão nas lojas, o casaco de cabedal preto com fecho prateado. Algumas mulheres usam saltos, mas nenhuma tem acessórios. Parecem montras ambulantes à espera de receberem enfeites adequados.

As primeiras apresentações da empresa são feitas numa sala com uma mesa redonda: um quadro interativo mostra gráficos de lucro e investimento que sobem com o passar dos anos. A Inditex fechou o primeiro trimestre do ano com 5618 lojas em 84 mercados, 109 512 empregados. 2011 terminou com 13,7 mil milhões de euros em vendas e 2 mil milhões de euros de lucro. Em Arteixo trabalham 350 desenhadores de 33 nacionalidades, num open space, divididos por três departamentos diferentes – kids, man e woman. Cada área criativa cruza designers e country managers, os comerciais responsáveis por cada mercado nacional que transmitem aos desenhadores aquilo que os clientes querem. É deste trabalho comum que resultam as mais de 20 mil referências vendidas anualmente nas lojas da Zara e onde são testados os modelos de roupa de homem e mulher em modelos reais, e os de criança em manequins, onde é avaliada a qualidade e de onde saem os protótipos que, depois de aprovados, seguem para as fábricas de corte e conceção.

Desde 1975 que a Inditex tem aumentado a escala e diminuído a distância temporal e geográfica de produção e fabrico de roupa. A coleção outono-inverno 2012 que a partir de maio começa a chegar às lojas é a aposta de designers que começaram há dois anos a observar e a tentar antecipar tendências nas pré-visualizações, em Paris. Entretanto, trabalharam com fabricantes de tecidos e ao mesmo ritmo dos desenhadores de todas as marcas. Mas enquanto os concorrentes da Inditex começaram a fabricar as coleções há oito ou nove meses, a fundadora da Zara fez as primeiras encomendas um mês antes, no máximo. E foram os “básicos”, as peças que menos mudam de coleção para coleção e que têm garantia de sucesso nas vendas. A componente moda – que representa 60% a 70% das coleções da Zara – fica para depois. “Há seis meses não sabíamos o que íamos apresentar no arranque da temporada. Temos fábricas a produzir agora o que vamos ter daqui a uma semana, dez dias, nas lojas. Essa é a nossa principal força. Fomos tornando o mais próximo possível o período de fabrico e o de chegada às lojas. Para que isso funcione é necessário ter ferramentas desenhadas para essa forma de trabalhar. Isso quer dizer que a proporção de produção em proximidade é muitíssimo mais elevada do que a média do sector”, diz Estradera.

Os fornecedores portugueses, marroquinos e turcos foram uma das chaves para a concretização do objetivo. A outra foi a proximidade profissional, que faz que uma encomenda da Inditex tarde, no máximo, 72 horas a chegar ao centro logístico de Arteixo para distribuição. Chegada às lojas, só tem de ser colocada nas prateleiras e nas montras, conforme…as fotografias. Em Arteixo, cada marca tem uma montra e loja-piloto. Os testes são feitos por profissionais vitrinistas e as imagens enviadas para serem cumpridas à risca. Os clientes da Zara sabem que as peças de uma loja mudam rapidamente, o que implica que as compras têm de ser feitas em pouco tempo, sob pena de as peças desaparecerem. A Inditex entrega novos produtos em todas as lojas do mundo duas vezes por semana.

O centro logístico de Arteixo, um dos sete que a Inditex tem em Espanha (incluindo o de Guadalajara, perto de Madrid, ainda por inaugurar), tem 250 km de carris automáticos que transportam as peças da produção para a distribuição. 15% da energia da fábrica é garantida por um moinho eólico instalado na zona industrial de Sabón, onde a Inditex está a alargar o centro de escritórios mais 70 mil metros quadrados – a juntar aos atuais 90 mil.

De Arteixo saem 3 milhões de peças por semana para as Zara de todo o mundo (cerca de 10 mil peças por hora); a plataforma funciona 24 horas por dia, em três turnos de trabalho. As chaves de ação são sempre comerciais: o que preferirá o cliente? O que quer comprar? Esta lógica é o centro do negócio da Inditex e o paradigma que Ortega mudou quando, em 1975, abriu a primeira loja, no centro da Corunha. “A.Z”, antes da Zara, o ciclo das lojas de roupa começava com uma coleção de designers que faziam uma aposta de futuro por intuição e tentavam adivinhar os tecidos e modelos que os clientes quereriam comprar. Chegado o momento de arranque da campanha, esses produtos eram colocados nas lojas à espera que os clientes decidissem se a aposta dos designers, um ano e meio antes, acertava ou não nas previsões. A Zara mudou a lógica: é sempre o cliente que decide e se o produto tem sucesso os designers alteram as coleções de modo a apostarem na tendência sem deixar que o best-seller deixe a sensação de que toda a gente anda igual na rua.

A Inditex nunca usou publicidade porque acredita que as lojas são a melhor montra e cartão de visita. “Nunca quisemos mostrar aos clientes o que devem vestir. Queremos que os clientes nos digam como se querem vestir. Somos uma empresa global que está nos cinco continentes, mas também sabemos que somos lojistas, o nosso negócio são lojas. E todos os dias abrimos as portas e os clientes vêm, ou não. Esses clientes têm de entrar e gostar do que lhes oferecemos. Isso é algo que temos de fazer hoje, amanhã e depois de amanhã. Há que manter essa espécie de tensão competitiva.”

Fonte: Dinheiro Vivo



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