Marketing: Gestores de marcas

Dezembro 20, 2010 by  
Filed under Notícias

Manter um negócio por cinco gerações obriga a grande engenho. Memórias pesam na sucessão.

Reza a história que os negócios de família tropeçam na terceira geração. Mas casos de longevidade existem para contrariar a regra. Nas conservas Ramirez, nos vinhos José Maria da Fonseca, nas Velas Loreto ou nos azulejos Viúva Lamego a marca de família já passou as cinco gerações.

Sobreviver exige empreendedorismo, capital e, principalmente, “muito investimento pessoal e familiar”, diz a antropóloga Maria Antónia Pedroso Lima. “Estas famílias são conservadoras, trabalham a sucessão e passam um património cultural muito importante. O peso familiar acaba por ter grande influência na maneira como as pessoas se empenham no negócio”, frisa.

AS VELAS DE LISZT

Num cantinho do Chiado, em Lisboa, Margarida Sá Pereira, de 62 anos, ainda alimenta com cera do soalho os móveis comprados em 1789 para inaugurar a elegante casa Velas Loreto. Ali tudo cheira a tradição. As batas brancas denunciam o fabrico artesanal e os produtos expostos – cerâmicas, copos de cera perfumada, arandelas, tesouras para cortar pavios e apaga-velas – são todos portugueses.

Margarida, o irmão Luís e a cunhada representam a sexta geração de um negócio que surgiu “para vender qualidade. Antes apenas se faziam velas brancas e para a Igreja e no século XVIII, aqui neste mesmo local, o nosso antepassado começou a usar cera de abelha, que tinha melhor cheiro do que o habitual sebo”. A casa destacou-se pela originalidade logo em 1849, quando criou as primeiras velas encarnadas para decorar o Teatro S. Carlos no dia em que o pianista Liszt actuou em Portugal. Hoje, sobrevive com o mesmo “empenho e imaginação”.

“Conheci isto quando estava aqui a minha avó, passou para o meu pai, depois para mim e para o meu irmão. Uma pessoa vem, mete as mãos na cera, acha graça. Mas por estarmos a administrar algo que recebemos já com muitos anos, temos obrigação de o preservar”, justifica.

Num mercado cada vez mais competitivo, “são as famílias, como elemento agregador, que mantêm vivos alguns dos negócios mais estáveis em todo o Mundo”, explica Álvaro Ferreira, professor de História da Economia, que cita os exemplos dos suecos Wallenberg, donos da Ericsson, ou os italianos Agnelli, fundadores da Fiat.

“A principal marca de uma empresa familiar é a sua maior capacidade de gerar capital simbólico e imaterial que é transmitido de geração em geração, muitas vezes tomando a forma de ‘lendas’. E esse cunho social e geracional pode ter um papel mais fácil na manutenção de uma identidade forte e de transferência para os novos dirigentes”, explica o professor.

A CASA DE AZEITÃO

Na casa senhorial que serve de cartão-de-visita logo à entrada da vila de Azeitão, a família Soares Franco, herdeira da marca José Maria da Fonseca, mantém viva a história do fundador: um visionário que no século XIX aplicou as leis da matemática aprendidas na universidade de Coimbra ao cultivo e produção de vinho na Margem Sul do Tejo.

Manter o negócio de pé é uma questão de honra para os irmãos António e Domingos, que fixaram regras rígidas para a sucessão: “Aqui não se tem lugar por ser filho do patrão. É preciso formação na área, mestrado, ter trabalhado fora, ser necessário à empresa e gostar do ramo”.

Desde cedo, a sétima geração aprendeu a conhecer o negócio. No Verão, a única rapariga mostrava as adegas aos turistas; os sete rapazes “trabalhavam duro”, na vindima e a lavar tonéis. Dos oito descendentes, dois já estão na empresa.

Responsável pelo enoturismo, Sofia, 27 anos, garante que “na família ninguém tem rotas marcadas. Estudei Ciência Política e, apesar da ideia inicial não ser vir para aqui, a formação foi importante. Reconheço que se é recebido de outra maneira por uma pessoa da família, que conhece histórias e tradições”.

É na experiência familiar que os Soares Franco bebem ensinamentos para gerir as crises. A primeira surgiu logo com a passagem de testemunho: “O fundador casou com uma senhora Soares Franco, mas a filha do casal e o marido, Henrique da Gama Barros, investiram tudo na escrita da ‘História da Administração Pública em Portugal’ e ‘borrifaram’ no negócio”, conta António, o actual presidente. “Mais tarde, o filho deles vendeu a empresa a uma prima, que por não ter filhos a deixou ao meu avô, seu afilhado e da família”.

A entrada de sangue novo deu à casa “grande esplendor, mas cometeu-se o erro de apostar tudo no Brasil. Em 1939, a ressaca da Grande Depressão contaminou as matérias-primas e o Brasil, que vivia da produção de café e açúcar, sofreu uma crise enorme. As portas fecharam-se e a nossa empresa ia falindo. A família foi obrigada a vender propriedades agrícolas e casas para pagar aos bancos. Ressuscitámos, mas aprendemos que é necessário diversificar mercados”, acrescenta.

O crescimento voltou na gestão do pai de António e Domingos, mas “a revolução de 1974 trouxe novo contraciclo. A economia ficou de rastos, os bancos emprestavam a juros altíssimos e tivemos de alienar a empresa que vendia rosés nos Estados Unidos para ter financiamento. Com o dinheiro fizemos um esforço ciclópico, apostámos na vinha e reinventámo-nos”.

Meter “as mãos no negócio” é lema de família. “Nascemos dentro disto. Faz parte conhecer as pessoas, os negócios, as vinhas”, diz António. “A história, aquilo que aprendi dos meus pais e dos meus tios, está bem contada aos meus filhos. E com a minha prática diária penso que também aprenderam algo de bom. No entanto, ninguém é obrigado a ficar. Neste momento não quero vender, não me interessa. Prefiro focalizar-me no negócio que está na família há muitos anos e pretendo que assim continue. Mas são opções. Se a geração a seguir à minha não o quiser fazer não vou criticar”.

O ATUM RAMIREZ

Com apenas sete e onze anos, os netos do senhor Ramirez já têm o destino traçado. Na hora de escolher a profissão, irão guardar os sonhos e assumir o negócio que a família administra há cinco gerações. Mudar de rota não faz, por enquanto, parte dos planos do avô, que preside à mais antiga conserveira ainda em actividade.

A saga começou em 1853, quando Sebastian Ramirez trocou a cidade espanhola de Huelva pelo Algarve, onde inaugurou a indústria. Hoje, em Matosinhos, Manuel Ramirez, 69 anos, e o filho, Manuel Teixeira Ramirez, de 41, orgulham–se das relíquias que enfeitam as prateleiras. São latas de atum ‘Direito’, ainda sem abertura fácil, máquinas de escrever Remington e fotos das primeiras viagens de avião, realizadas nos anos 20 para vender conservas aos britânicos. “Em 157 anos há diversos factores que explicam o sucesso, desde a política de marca, a internacionalização logo no séc. XIX e a exportação para mercados como os Estados Unidos, o Brasil e as antigas colónias”, lembra o patriarca. O truque “é gerir bem a empresa familiar e manter o apelido pela sorte de terem nascido filhos varões”.

Em cinco gerações, que viram passar pelo poder quatro reis, a instauração da República e a revolução de Abril, a empresa também se adaptou: “O meu avô internacionalizou para a Bélgica. Na minha época foi importante a tecnologia e o associativismo, na do meu filho impera a comunicação e já estou a treinar os netos”, conta Manuel Ramirez, que defende a educação no estrangeiro como cartilha genealógica. “Desde o meu avô, todos estudámos fora. É essencial para o crescimento pessoal e profissional. Não é por acaso que estamos em 42 mercados “.

Ao factor sorte, os Ramirez juntam a gestão de oportunidades. Em 1974, quando muitos empresários deixaram o País, apostaram em novos mercados, como a então URSS. E foi nos grandes conflitos que registaram mais crescimento e fidelização de clientes: “Na Segunda Guerra Mundial, como o País era neutro, vendíamos para os dois lados: Inglaterra e Alemanha. As conservas eram então um factor de sobrevivência, o mercado europeu evoluiu para o grande consumo, que se estendeu aos Estados Unidos. Passados muitos anos do fim da guerra, um associado contou que foram descobertas caixas de atum Ramirez no bunker de Hitler”.

PERDER MEMÓRIA

Mas se herdar um negócio de família é para muitos a oportunidade da vida, para outros pode ser uma partida do destino. Duarte Garcia estava no quarto ano de Engenharia Mecânica quando assumiu a Viúva Lamego. “Foi em 1976, por motivo de doença do meu pai. Não era o meu projecto de vida, mas alguém tinha de chegar-se à frente. Não acabei o curso”, diz.

Assumir o negócio “num quadro caótico” foi um desafio. Hoje, apenas a área de arte pública, que ilustra emblemáticas estações de metropolitano com obras de autores consagrados, inspira o descendente do segundo marido da fundadora.

A falta de transmissão da história, devido à morte precoce dos pais do seu avô, criou a cisão, admite: “Do que se passou no séc. XIX sei apenas o que é público. A fábrica em Lisboa ia do Intendente, onde ainda se mantém o edifício de fachada singular, ao Desterro e foi amputada para a construção da avenida Almirante Reis”.

Aos 57 anos, Duarte Garcia já integrou a marca de azulejos no grupo Cerâmicas Aleluia e não lamenta a perda de sucessão familiar. “As empresas são entidades autónomas, cuja lógica racional é o produto e o negócio. A família apenas tem uma memória a preservar. Não tenho, quanto a isso, qualquer tipo de nostalgia”.

A MARCA DAS TRÊS GERAÇÕES

Em Portugal, os “negócios familiares estão presentes em toda a estrutura empresarial, quer na sua base, no séc. XIX, quer no seu topo, onde historicamente a experiência das grandes empresas tem um cunho pessoal e familiar, visível desde os grupos presentes no Estado Novo, CUF, Espírito Santo, Champalimaud, até aos novos agentes que se sucederam ao 25 de Abril, como a Sonae, de Belmiro de Azevedo”, explica Álvaro Ferreira, professor de História da Economia. “Uma coisa é certa: é difícil, a empresas familiares ou não, manterem-se por um longo período de tempo. Uma longevidade de três gerações corresponde quase a cem anos e isso é marcante”.

NOTAS

40 POR CENTO DO PIB

As empresas familiares representam 40 por cento do Produto Interno Bruto da União Europeia.

25 DE ABRIL

Foi uma data marcante em Portugal e ditou o fim de muitos grupos empresariais de cunho familiar.

BOLSA

Em bolsa, as empresas familiares sobem mais 9% do que outras, diz John Davis, professor de Harvard.

Fonte: Correio da Manha



Enter Google AdSense Code Here

Tell us what you're thinking...
and oh, if you want a pic to show with your comment, go get a gravatar!