Marketing: A segunda vaga da China na economia portuguesa

Novembro 17, 2010 by  
Filed under Notícias

Há alguns anos especulava-se para quando a segunda vaga chinesa em Portugal. Ela apareceu em força com a recente visita do presidente Hu Jintao a Lisboa e o consequente anúncio de compra da dívida soberana, de parcerias e de eventuais entradas no capital de várias empresas do PSI 20. A ligação a África faz a diferença. Mais. A economia portuguesa está a ser assediada por investimentos de países emergentes: Brasil e Angola representam os maiores volumes, mas também jovens países, como Timor-Leste, estão disponíveis para adquirir dívida soberana. A entrada no capital de empresas de todos os sectores, desde a financeira até à indústria pesada, passando pela alta tecnologia ou aeronáutica, é uma realidade incontornável.

A China, o maior mercado emergente e uma previsível primeira potência mundial dentro de alguns anos, será determinante para a evolução da economia portuguesa nos próximos três anos. Mais. A China abriu a possibilidade de vir a adquirir dívida púbica portuguesa, numa altura em que os investidores convencionais estão a retirar-se da dívida soberana, caso dos fundos soberanos da Rússia e da Noruega.

Nas empresas, os parceiros chineses irão entrar no capital ao longo dos próximos meses, assumindo responsabilidades de gestão e definindo estratégias, o que lhes permitirá conhecer o que se faz nas economias periféricas. A estratégia da China não é nova, pois as propostas que estão a chegar a Portugal já estão a ser concretizadas na Grécia, podendo vir a entrar em outros países europeus que revelam contas públicas fragilizadas.

Mas o gigante chinês interessa-se por Portugal por razões estratégicas e seculares. A transferência da soberania de Macau correu muito bem, ao contrário da de Hong Kong, e a entrada das empresas chinesas e de trabalhadores chineses em todos os países de expressão portuguesa não poderia ter corrido melhor. A participação no capital do Millennium bcp através do ICBC – Industrial and Commercial Bank of China, que poderá chegar aos 10%, ou no BPI (que, ao que tudo indica, começará por  uma cooperação que significará o reforço da parceira já existente entre a sucursal offshore do banco BPI em Macau e o Bank of China), é o trampolim para Angola e Moçambique, onde estes bancos têm uma posição relevante. Aliás, as participações daqueles dois bancos em Moçambique significam cerca de 80% do sistema financeiro. Num artigo recente, o presidente da Fundação Oriente alertava para que a transacção do BCP pudesse ocorrer a qualquer momento, já que as negociações duravam há um ano. Mas as companhias chinesas vieram ver o interesse da EDP, e o CEO da empresa acredita mesmo que a entrada do capital cria um núcleo mais forte, podendo a participação chegar aos 5%. Aliás, a eventual entrada da China Power International no capital da eléctrica pode alterar os pratos da balança a favor de investidores estrangeiros. Registe-se que, no próximo quarto de século, a procura de energia por parte da China irá aumentar 75%. As projecções são da Agência Internacional da Energia e vêm publicadas no seu “World Energy Outlook”.

Na Portugal Telecom, a associação com a Huawei visa reforçar a área de I&D e a criação de um centro de competências. Este facto é de grande relevo, pois potenciará o acesso a novas tecnologias e a novas geografias onde o sucesso é a marca da presença da PT. Na recente visita do presidente chinês, regista-se ainda um outro acordo entre a multinacional chinesa do sector tecnológico ZTE e a portuguesa Zapp.pt. A portuguesa Temple, por seu lado, assinou um acordo de processamento e serviços de comércio de café com a China Bailian.

A ligação a África está facilitada pelo facto de a China e as empresas chinesas se terem tornado parceiros de primeiro nível para vários países: Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, para além de Cabo Verde não enjeitar a ideia de que a China será o seu futuro grande parceiro comercial. E estamos sempre a falar de geografias onde as empresas que as companhias chinesas querem estão presentes. O triângulo não fica completo sem a inclusão do Brasil, um país que está a estabelecer parcerias com a China e Angola e onde as empresas portuguesas têm um papel de ligação.

Uma outra área de forte interesse para os chineses são os portos, e a administração do Porto de Sines tem frisado que a empresa tem capacidade de acolhimento de novas entidades. Lídia Sequeira, presidente da instituição, foi afirmativa quando recentemente a questionaram sobre o interesse de entidades chinesas, tendo concretizado uma reunião com a delegação do porto de Tianjin.

As ligações a Angola

Uma análise recente da Lusa conclui que a China, com avultadas linhas de crédito iniciadas em 2004, é o grande financiador da reconstrução angolana após 27 anos de guerra terminados em 2002, mas Angola retribui como maior fornecedor mundial de petróleo ao gigante asiático.

Graças às exportações de petróleo, Angola passou a ser o principal parceiro comercial da China no continente africano, tendo, em 2008, ultrapassado a Arábia Saudita, com uma média de quase 700 mil barris/dia, conforme revelaram em Pequim as autoridades chinesas.

Com o fim da guerra, Luanda começou a preparar-se para uma nova batalha, a do desenvolvimento, para a qual era urgente reconstruir o país devastado por uma das mais longas e violentas guerras do continente africano, que durou de 1975 a 2002. E foi para a China que o governo de Luanda se virou devido às relações difíceis que mantinha, na época, com o FMI e o Clube de Paris, aproveitando a sede de petróleo de Pequim para sustentar o seu vertiginoso crescimento.

De 2002 a 2009, os organismos da ONU estimam que as linhas de crédito chinesas tenham ultrapassado os 15 mil milhões de dólares, com destaque para a actividade do Eximbank chinês, embora nenhum dos governos tenha tornado públicos os números reais.

E essa realidade tem uma tradução no terreno com milhares de operários e dezenas de empresas chinesas responsáveis pelas grandes obras do Programa de Reconstrução Nacional, como a recuperação das três linhas de caminho de ferro, mas também  de rodovias, pontes e edifícios estatais, escolas e hospitais

No entanto, Luanda tem mostrado que não está disponível para aceitar uma excessiva dependência do financiamento chinês. Em 2009, assinou um acordo de empréstimo volumoso com o FMI, reatando relações há vários anos “adormecidas”, devido a exigências do fundo sobre transparência, nomeadamente nas contas do petróleo angolano e na actividade da Sonangol, a empresa estatal do sector,

Este acordo no valor de 1,4 mil milhões de dólares, visando o equilíbrio da balança de pagamentos bem como fazer face à crise económica e financeira que abalou Angola, foi visto pelos analistas angolanos como um sinal de Luanda ao mundo de que não está dependente do dinheiro chinês. E, ao contrário do que acontece na generalidade dos países africanos com quem Pequim tem relações privilegiadas, nas cidades angolanas, não existem lojas chinesas e mesmo os produtos a baixo preço “made in China” que surgem no mercado são importados por empresas privadas.

Na capital angolana, existem apenas dois restaurantes chineses, localizados na Ilha de Luanda, contrastando, por exemplo, com, pelo menos três indianos.

É na construção civil que a presença chinesa se impõe em relação às restantes comunidades, com milhares de operários espalhados não só pelas grandes obras do país, mas também nas pequenas, estando em crescimento o número de empresas chinesas que se dedicam à recuperação de habitações e pequenos projectos privados.

Brasil

A entrada das empresas brasileiras no mercado e nas empresas portuguesas começou com a Lusosider aços planos, onde o grupo CSN tomou o controlo global da empresa para, uns anos depois, o sector da aeronáutica ter aproveitado a hipótese de privatização das OGMA e com os franceses da EADS terem ficado a controlar o capital da companhia, que tem como sócio minoritário o Estado, através da Empordef.

Os grupos brasileiros fizeram aquisições na construção civil (Bento Pedroso), mas falharam as empresas de celulose e de pasta de papel. Na banca, a maior expressão está no BPI.

Mais recentemente ganharam em toda a linha os cimentos com uma disputa entre dois grupos rivais, a Camargo Corrêa e a Votorantim, a maioria do capital da Cimpor, dominando aquela que é considerada a “jóia da coroa” da internacionalização portuguesa, pois é a companhia com presenças mais diversificadas nos mercados mundiais. Curiosamente, a Cimpor Zaozhuang, na China, é o mais recente investimento da Cimpor. Naquele país, irá produzir dois milhões de toneladas/ano de cimento, tendo investido 100 milhões de euros. Na corrida também esteve a CSN. O sector dos petróleos, através da Galp, é uma hipótese, caso se desfaça o interesse dos italianos da Eni em continuarem com a minoria de bloqueio. Aqueles 33,3% são desejados por angolanos e pela brasileira Petrobrás, podendo vir a existir uma divisão salomónica.

Mas outras economias emergentes estão a entrar em Portugal, caso do capital angolano, que já é um dos maiores accionistas do BCP (Sonangol detem 10% do capital), e está no núcleo duro do BPI, ou ainda uma posição relevante na Galp Energia, via Amorim Energia, ou ainda na Zon, para além de investimentos na agricultura e na agro-indústria. Timor-Leste, um jovem país, poderá também entrar nesta “onda” com uma eventual compra de dívida soberana nacional.

O impacto dos emergentes no mercado desenvolvido

A situação que se vive nos mercados emergentes é muito diferente da que vive o mundo desenvolvido, que, devido a estes seus fundamentais fortes, quer também a melhor saúde das suas finanças públicas, privadas e empresariais, escrevem os analistas do Millennium Investment Banking.

As projecções destes analistas indicam que o crescimento do PIB no mundo emergente chegará aos 6,5% este ano, contra um crescimento de 3,5% do PIB mundial. Em alguns mercados emergentes, as pressões inflacionistas aumentaram, obrigando a políticas monetárias restritivas. Os analistas consideram que os mercados emergentes não quererão criar bolhas especulativas, mas “não permitirão que uma política mais restritiva destabilize a recuperação sustentável da economia”.

Com liquidez abundante e um recuo dos receios de uma recessão profunda, os analistas antecipam, para os mercados emergentes, a continuação da recepção de grandes volumes de fluxo de capital, impulsionando os retornos dos mercados bolsistas e cambiais. Numa análise fina dos mercados, constata-se que, com base no price earning ratio de 11 vezes nos mercados emergentes globais, em linha com a sua média de longo prazo, o crescimento dos lucros deverá aumentar mais de 20% durante os próximos 12 meses.

Os analistas alertam para o facto de grandes sectores de actividade dos países desenvolvidos dependerem do consumo dos mercados emergentes. Dados de 2009 e ainda citados pela research do BCP, revelam que cerca de 25% das vendas efectuadas por empresas europeias dependeram dos mercados em desenvolvimento, um aumento significativo face aos 16% que representavam em 2004. Entre os sectores mais expostos aos mercados emergentes estão a alimentação e bebidas e ainda os combustíveis, com cerca de 40% das suas vendas indexadas às regiões em crescimento. Os produtos químicos, a saúde e as telecomunicações estarão expostas aos mercados emergentes entre 25 e 30%. Por último, o sector europeu de tecnologia tem uma exposição de quase 50% das vendas e, mesmo assim, está com grandes dificuldades, enfrentando alguns dos desafios estruturais mais intensos de concorrência emergente.

Fonte: Oje – o Jornal Económico



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