Inovação: A fantástica fábrica de avatares da Disney
Abril 30, 2011 by Inovação & Marketing
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No filme O Curioso Caso de Benjamin Button, o ator Brad Pitt vive um exótico personagem que nasce velho e se torna cada vez mais jovem com o passar dos anos. Esse roteiro esquisito trouxe desafios inéditos para os especialistas em efeitos visuais. Como criar um bebê com aparência de ancião? Como fazer a transição gradual rumo à juventude? A primeira certeza: só a maquiagem não resolveria. Assim, imagens digitais foram cuidadosamente elaboradas nos computadores e adicionadas às cenas filmadas. Foi um raro caso de sucesso na tarefa que os especialistas em efeitos visuais consideram a mais difícil de todas — recriar, digitalmente, a face humana.
Desenvolver tecnologia para produzir humanos virtuais perfeitos a um custo viável é uma das missões do Disney Research Zurich, centro de estudos que a Disney inaugurou no ano passado, na Suíça. Ali também são criadas tecnologias para animação e produção cinematográfica em 2D e 3D. A INFO visitou o Disney Research Zurich, que integra uma rede de seis centros de pesquisas mantidos pela empresa. O laboratório funciona em parceria com o Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, conhecido pela sigla em alemão ETH, instituição famosa por ter sido o lar acadêmico do cientista Albert Einstein e também de 20 ganhadores do Prêmio Nobel. No Disney Research Zurich não faltam cientistas dispostos a explorar as fronteiras da tecnologia para criar efeitos visuais.
O prédio vermelho onde estão os escritórios da Disney fica a poucas quadras da sede do ETH. O colorido das paredes contrasta com a sisudez característica dos edifícios acadêmicos de Zurique. Em cada sala, a decoração remete a um filme da Disney ou da sua subsidiária, a Pixar. Peter Pan, Mickey, os Incríveis e a turma de Toy Story são alguns dos personagens nos quadros presos às paredes e nos enfeites das mesas. Fazem parte da equipe 45 cientistas de várias nacionalidades — suíços, americanos, ingleses, russos, poloneses. Vários são também professores ou alunos do ETH.
Toy Story à mesa
Quem recebe a reportagem é o diretor adjunto do laboratório, Bob Sumner. Apesar de seus 35 anos, esse americano tem um currículo impressionante. Formou-se em ciência da computação no Instituto de Tecnologia da Geórgia, nos Estados Unidos. Fez mestrado e doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), também nos Estados Unidos. Depois, passou três anos como pesquisador de pós-doutorado no ETH. Hoje, além de integrar a equipe do laboratório Disney, leciona no curso de programação de games da universidade. Sumner é responsável pelo desenvolvimento de novas tecnologias para gráficos interativos e animação em 2D e 3D.
Sobre o filme O Curioso Caso de Benjamin Button, Sumner afirma que ele atingiu um nível de perfeição raro ao recriar digitalmente a face humana. O filme ganhou três Oscars, entre eles o de efeitos visuais. “Acho que, na maior parte do filme, ninguém consegue dizer — nem mesmo eu — quem é o verdadeiro Brad Pitt e quem é o ator digitalizado”, afirma Sumner. Apesar da quase perfeição, o problema, num filme como esse, é o custo da produção. Para conseguir o efeito desejado, foi necessário um exército de animadores e pós-produtores, o que tornou o projeto muito caro. “Por isso, nosso trabalho não é somente criar novas tecnologias. Temos de achar soluções economicamente viáveis”, afirma.
Vale do estranhamento
Sumner diz que a representação realista da face humana é ainda muito, muito difícil. “Há anos tenta-se melhorar essa tecnologia. Mas ainda deparamos com o chamado uncanny valley”, afirma. Esse termo — algo como vale do estranhamento, em tradução livre — refere-se a uma reação curiosa que os seres humanos têm frente a robôs e personagens digitais quando eles agem como humanos.
Personagens de desenhos animados têm um apelo muito especial para as pessoas e despertam reações afetivas. Mas, à medida que esses desenhos se tornam mais realistas, com feições próximas às dos seres humanos, a resposta do público muda da atração para a aversão. “Quando um personagem fica muito parecido com um ser humano, mas não chega a ser perfeito, a reação do espectador é bastante negativa”, diz Sumner. As pessoas só voltam a gostar do que veem quando a perfeição é tal que o robô ou personagem virtual não pode ser diferenciado de um humano real. Colocando num gráfico a relação entre o nível de realismo e a atração ou a repulsão que o personagem provoca, o traçado assume a forma de um vale exatamente no ponto em que a imagem se torna quase perfeita. Daí o uncanny valley.
A face humana pode parecer simples do ponto de vista geométrico, mas basta se ater aos detalhes para notar que o nível de complexidade é muito alto. A maneira como os tecidos se movem, a textura da pele e a incidência da luz sobre ela fazem com que reproduções realistas do rosto sejam muito difíceis de produzir. “Durante toda a nossa vida, fomos treinados para notar as mínimas sutilezas e o menor movimento perceptível no rosto alheio. Isso nos torna muito críticos com qualquer tipo de falha na reprodução”, diz Bob Sumner.
Se a reprodução não for perfeita, o personagem se parecerá com um zumbi. Cairá no uncanny valley. Algumas partes do rosto são ainda mais difíceis que outras para ser recriadas digitalmente, como o cabelo, que tem uma superfície extremamente irregular, formada por milhões de pequenos tubos. Outra — essa percebida por qualquer leigo no assunto —, são os olhos. “Muitas emoções diferentes são transmitidas por meio de um ligeiro, e, muitas vezes, imperceptível movimento dos olhos.”
Em Zurique, os cientistas do laboratório Disney têm trabalhado num programa para capturar a forma do rosto de maneira detalhada. Para isso, o grupo desenvolveu um novo software, internamente chamado de Medusa. O aplicativo captura simultaneamente as imagens originadas em diversas câmeras fotográficas. Fixadas a uma estrutura geodésica, essas câmeras são disparadas ao mesmo tempo, captando diferentes visões do rosto de uma pessoa. Essas visões serão, depois, combinadas num único modelo tridimensional. O resultado é um detalhamento da imagem tão grande que até os poros da pele podem ser percebidos. O Medusa é particularmente focado na pele.
Sumner mostra três modelos tridimensionais produzidos com base nas imagens geradas pelo Medusa. São cabeças de três pessoas fotografadas pelo sistema de multicâmeras — uma jovem negra, um senhor e uma senhora. “Pessoas mais velhas são muito interessantes para nossas pesquisas, pois possuem mais detalhes e nuances no rosto”, afirma. Na tela do computador, Sumner mostra como os rostos ficam depois de ser trabalhados digitalmente. Ganham luz, coloração e textura. Tal é a perfeição da imagem que é difícil saber se elas são fotografias ou animações. Sumner ainda se sente insatisfeito com os olhos. “O olho humano, principalmente a parte do globo ocular, é uma lente. Como o nosso sistema também usa lentes, ainda não conseguimos capturar os olhos com perfeição”, diz.
A pesquisa, o desenvolvimento e a aplicação do software Medusa duraram cerca de um ano. Mas ainda vai demorar algum tempo até que essa tecnologia esteja pronta para uso prático nos estúdios. E sempre existe o risco de ela se tornar obsoleta antes disso. Na área de animação, um filme demora cerca de quatro anos para ser finalizado. Recentemente, um dos efeitos criados pelos jovens pesquisadores do laboratório suíço foi empregado no desenho animado Enrolados, da Disney. O efeito mistura luzes com nevoeiro. “A tecnologia foi usada numa cena em que, através do buraco de uma fechadura, veem-se claridade e névoa no lado de fora”, afirma Sumner.
O fascínio do 3D
Sumner se diz fascinado pela tecnologia criada para a primeira trilogia de Star Wars, ainda na década de 70. São efeitos de câmera utilizados até hoje. Igualmente fascinante, para ele, é o mundo completamente irreal — mas absurdamente real para o espectador — criado em Avatar, do diretor James Cameron. O pesquisador acredita que a tecnologia dos filmes 3D ainda tem um longo caminho pela frente. Novamente, a questão do custo é parte do desafio. “Criar filmes em 3D ainda é muito caro. Uma das maneiras é fi lmar com duas câmeras acopladas. Uma simulo olho direito e a outra, o esquerdo. Esse processo exige uma pós-produção complexa. E nem sempre o resultado é o esperado”, diz Sumner.
Quando a cena em 3D não fica bem definida espacialmente, o espectador pode sentir desconforto ao olhar para a tela. Outra técnica para a produção de filmes em 3D, essa mais barata, envolve o uso de uma câmera. Na pós-produção, a imagem é dividida em duas — uma mais próxima e outra com maior profundidade. O custo é menor, mas, também nesse caso, o resultado é, às vezes, pouco convincente.
Alguns críticos do cinema, como o americano Roger Ebert, afirmam que a tecnologia 3D só é adequada para animações, filmes infantis ou de ação e aventura. Bob Sumner discorda. “Acho que pode ser usada em qualquer tipo de filme. Vejo o 3D como um recurso igual à iluminação ou ao efeito sonoro. Entretanto, ainda precisamos ter uma compreensão melhor dos efeitos psicológicos e fisiológicos que a tecnologia tem sobre o espectador.” O software Medusa é só o começo.
Fonte: Exame
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