Inovação: Tom Kelley: “Design tem sido um elemento de viragem na estratégia de empresas”

Maio 31, 2011 by  
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Tom Kelley, guru do ‘design’ em tecnologia e líder da IDEO, acredita que protótipos ajudam a clarificar ideias e partilhar informação.

Responsável pela criação do Apple Mouse e de muitos outros objectos emblemáticos do ‘design’ tecnológico, Tom Kelley é considerado um gurus da área. É também um dos fundadores e director-geral da IDEO, empresa de ‘design’ direccionada para tecnologia e inovação. Autor de dois livros – “A arte da Inovação” e “As dez caras da Inovação” -, garante, em entrevista ao Diário Económico, que o ‘design’ é uma ferramenta para a inovação. E defende o ‘brainstorming’ como impulsionador do processo criativo.

Como nasceu a IDEO e qual a fórmula do seu sucesso?
Eu e o meu irmão David começámos a empresa em 1978, num pequeno escritório por cima de uma loja de roupa em Palo Alto, na Califórnia, o coração de Silicon Valley. Na altura, era uma pequena empresa sem dinheiro e, por isso mesmo, pedimos emprestada ou construímos a maior parte da mobília. Por exemplo, quando a Levi Strauss, de São Francisco, mudou a sede da empresa mais ou menos nessa altura, encheram três contentores enormes com material do edifício antigo, coisas que não iam levar para o novo edifício, incluindo dezenas de portas brancas com uma parte em metal, muito bonitas. Pedi para ficar com as portas e elas tornaram-se as secretárias e mesas de conferência durante os anos seguintes. O nosso sucesso na altura, como agora, foi construído em torno de encontrar as pessoas mais criativas, talentosas e levá-las a fazer o seu melhor.

Qual a importância do ‘design’ de um produto na captação da atenção do consumidor?
Além do ‘design’ de um produto, a IDEO está muito interessada no ‘design’ de experiências e na utilização do ‘design’ para a inovação social. Acreditamos que os ‘designers’ de hoje têm a oportunidade de ter impacto positivo no mundo. Num dado momento, a comunidade empresarial achou que o ‘design’ era algo de superficial, acrescentado muito tardiamente ao processo de produção depois de se fazer a “inovação a sério” . Se olharmos para as grandes marcas globais, como a BMW, a Google, a Samsung, o Facebook, etc., notamos que a maior parte usou o poder do ‘design’ como ferramenta para a inovação.

De que forma ajudam os consumidores a perceber do que precisam?
Os consumidores têm, por vezes, dificuldade em explicar do que precisam e há determinados produtos e serviços nos quais não perdem muito tempo a pensar. Precisamente por isso, não podemos perguntar-lhes sempre o que querem. Muitas vezes temos de observar, ser antropologistas e ver as necessidades latentes e não verbalizadas dos clientes. Se se vê um cliente gaguejar percebe-se que ele está confuso ou perdido e percebemos que localizámos uma necessidade.

Qual a ligação entre ‘design’, tecnologia e inovação?
Quando estamos a criar algo de novo no mundo, há sempre três factores a considerar. Primeiro, há factores tecnológicos que são importantes, mas que não representam tudo. Em segundo lugar, há factores de negócio que são necessários para a saúde financeira da empresa a longo prazo. E o terceiro conjunto de factores são os factores humanos, o querer um determinado produto de uma empresa.

Como criador de ícones como o rato da Apple como vê a evolução do ‘design’ como factor de peso na escolha do consumidor?
Passaram 30 anos desde que trabalhei nesse produto pioneiro e os consumidores tornaram-se muito mais sofisticados nas suas sensibilidades. Algumas das empresas de ‘design’ mais inovadoras do mundo – nomes conhecidos como a Apple ou a Virgin Atlantic – estão, inteligentemente, a criar experiências de ‘design’ que apelam a estes gostos modernos e sofisticados.

‘Design’ e tecnologia: aliados ou inimigos?
Vivo em Silicon Valley, onde o ‘design’ e a tecnologia viveram em feliz convivência nas últimas décadas. As duas são compatíveis. A maioria das melhores empresas de tecnologia de Silicon Valley serviu-se do ‘design’ como elemento de viragem nas suas estratégias.

Como vê a evolução do ‘’design’ nos nossos dias, com ‘smartphones’ e ‘tablets’ que são todos muito parecidos? Como é que o ‘design’ consegue tornar um produto distinto?
Um bom ‘design’ vai muito além do produto por si só. Pode-se pensar que os ‘smartphones’ se parecem todos uns com os outros, mas a experiência de utilização é bastante diferente. O ‘tablet’ que uso começou como uma experiência de consumo num ambiente cheio de pessoas inteligentes e fez-me sentir como se fizesse parte de um clube restrito. Não só porque o produto é muito bonito, mas até o saco em que o levei para casa é tão apelativo que já o reutilizei muitas vezes e até o levei para a praia. A interacção com o ‘tablet’ é simples e divertida. Oferece um número infinito de aplicações para costumizar o meu equipamento para as minhas necessidades. Penso que a partir desta descrição já consegue adivinhar o nome da empresa e do produto. E, se há outros ‘tablets’ no mercado que parecem semelhantes, isso não é muito relevante para mim porque eu estou muito ligado a este equipamento específico. Por isso, quando uma empresa de ‘design’ consegue criar uma experiência muito diferente para os utilizadores, está a construir uma relação de lealdade que vai além do produto físico ele mesmo.

No seu livro “A Arte da Inovação” explica que uma sessão de ‘brainstorming’ pode gerar mais de 100 ideias. Como é que se devem filtrar e escolher as opiniões?
O ‘brainstorming’ exige um pouco de prática, mas pode tornar-se um motor de criatividade. É muito importante começar com uma explicação clara do que é o problema, com uma pergunta que seja aberta, mas não demasiado abrangente. E as sessões têm regras que são, de certa forma, completamente diferentes das regras das reuniões normais: vai pela quantidade, encoraja ideias loucas, é visual, difere nas conclusões, uma conversa de cada vez. E, quando a sessão de ‘brainstorming’ termina, escolhemos as melhores ideias para avançar com protótipos, para vermos quais as que merecem mais investigação e implementação.

Acredita na criação de protótipos. De que forma é que a tecnologia ajuda neste processo?
As empresas com esta cultura usam todas as tecnologias ao seu dispor para fazer protótipos rápidos, baratos e que permitam aprender e progredir. Os bons protótipos servem vários propósitos: articular e clarificar ideias, identificar ligações entre variáveis como custos ou funções, colocar a equipa com a mesma visão partilhada ou comunicar com públicos-alvo a nível interno.

Quais os seus projectos neste momento?
Estamos a fazer um pouco de tudo, desde reinventar o desenvolvimento de serviços ‘self service’ com um banco espanhol, a redesenhar o processo de começar negócios no Dubai. Um dos meus novos programas preferidos na IDEO é uma plataforma de inovação aberta, o “Open IDEO” que trabalha em questões sociais complexas como a obesidade infantil e cuidados de saúde a preços acessíveis em países em desenvolvimento. Por trabalharmos com comerciais e com patrocinadores não lucrativos fazemos perguntas e deixamos que o mundo nos ajude a responder a essas perguntas. Recolhemos milhares de ideias e algumas estão prestes a ser aplicadas.

Como vê o ‘design’ daqui a dez anos?
Quando comecei nesta indústria, as pessoas achavam que o ‘design’ dava uma grande contribuição para fazer produtos muito bonitos. Mas a IDEO evoluiu e, passadas três décadas, expandimos a actividade dos produtos para os serviços, ambientes, experiência de consumidor e até cultura corporativa. Acredito que o pensamento do ‘design’ será usado para tratar alguns dos temas mais complexos do mundo. Daqui a dez anos, quando os líderes do mundo se reunirem em sítios como as Nações Unidas, os ‘designers’ podem ajudar a desenhar novas soluções. Aliás, se olharmos com atenção vemos que isso já começa a acontecer.


O guru do ‘design’

Fundador da IDEO, que fundou com o irmão David, Tom Kelley ajudou a empresa a crescer, passando de 20 para mais de 550 funcionários. A IDEO surgiu da fusão com três outras empresas de ‘design’, em 1991 (Matrix Product Design i, ID TWO e Moggridge Associates) empresa da qual foi presidente executivo até 2000. Actualmente é ‘chairman’ e sócio da empresa, mas continua a manter um papel activo nos processos de decisão da empresa que está entre as mais criativas do mundo. É orador convidado em várias conferências e já publicou dois livros. O primeiro foi lançado em 2001. “A Arte da Inovação: Lições de Criatividade da IDEO”, que se tornou um ‘best seller’ e foi traduzido em nove línguas. em 2005 publicou “As Dez Caras da Inovação”, sobre os papéis que as pessoas assumem numa organização (ver caixa). A IDEO tornou-se ao .longo de 30 anos de existência uma multinacional de ‘design’ responsável por algumas marcas como a Procter & Gamble, Palm, Pepsi-Cola e Samsung, entre muitas outras.

As dez caras da inovação

Em grandes projectos há pelo menos dez papéis que dão o maior contributo à inovação.

– Antropologista traz novos conhecimentos e pontos de vista à organização, através da observação e desenvolvendo conhecimento em relação à forma como as pessoas interagem com produtos, serviços e espaços.

– Experimentador faz os protótipos de novas ideias, aprendendo pelo processo de tentativa-erro.

– Explorador pesquisa outras indústrias e culturas e depois traduz o que aprendeu para as necessidades da empresa.

– Atleta conhece o caminho para a inovação, apesar dos obstáculos, e desenvolve formas de contornar as barreiras.

– Colaborador torna grupos eclécticos mais coesos e, muitas vezes, lidera a combinação de soluções multidisciplinares.

– Director não só reúne uma equipa talentosa, como mantém o talento vivo.

– Arquitecto desenha experiências com o objectivo de corresponder, num nível mais profundo, às necessidades dos clientes.

– Encenador cria um palco onde os membros das equipas inovadoras podem fazer o melhor do seu trabalho, transformando ambientes físicos em ferramentas poderosas para influenciar comportamentos e atitudes.

– Enfermeiro baseia-se na metáfora de entregar cuidados de saúde profissionais além daquilo que é apenas serviço.

– Narrador ao contar uma história, comunica os valores humanos fundamentais e reforça um traço de cultura específico.

Fonte: Económico



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